CINQUENTA TONS DE CINZA, DE E. L. JAMES


Conheça a série que vendeu mais de 40 milhões de cópias no mundo todo e ultrapassou Harry Potter e O Código da Vinci, tornando-se o livro mais vendido em países como a Inglaterra. Leia a resenha de Cinquenta Tons de Cinza.
Este livro tem sido classificado como ficção erótica, porém tenho certeza de que essa palavra está sendo usada em seu sentido mais relativo, para não dizer ordinário. Se escrever algo erótico significa induzir uma combinação quase impossível de incredulidade, servilismo e hilariedade, então Cinquenta Tons de Cinza definitivamente é o romance mais erótico já escrito.  Francamente, nunca imaginei que fosse possível estremecer, gargalhar e ranger os dentes ao mesmo tempo enquanto Lia.
Não há nenhuma dúvida de que o livro trata-se de ficção, pois chega a ser preciso esquecer de conceitos como verossimilhança para que a mente humana possa lidar com tal enredo. Não tenho certeza sobre quem são as 40 milhões de pessoas que compraram este livro, mas ou encontraram uma nova forma de torturar os presos por terrorismo no mundo, ou então as massas realmente gostaram da historinha esquizofrênica de E. L. James.
A narrativa desenvolve-se a partir da perspectiva da universitária de 22 anos chamada Anastasia “Ana” Steele, quem, enquanto fazia um favor para sua amiga Katherine Kavanagh, conhece o empresário de 27 anos Christian Grey, por quem desenvolve uma estranha atração. Após um namoro um tanto prolixo, eles começam a relacionar-se mais fisicamente, se você me entende.
Inicialmente, isso se resume a práticas sexuais regulares. Ana, que tem pouca experiência sexual — até mesmo sozinha — acha Christian irresistível, despertando sexualmente através dele. As coisas começam a ficar fora de controle quando eles passam a praticar atividades que recebem a singla BDSM — Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo — ou seja, práticas que têm o intuito de trazer prazer sexual através da troca erótica de poder, que pode ou não envolver dor, submissão, tortura psicológica, cócegas e outros meios.
Para seu crédito, Christian é bastante receptivo em relação às necessidades físicas de Ana, obtendo êxito ao agradá-la sexualmente. Infelizmente, como um leitor homem, este é o único ponto positivo e até mesmo realista que posso dizer sobre ele.
Por outro lado, o que aprendi com Cinquenta Tons de Cinza é que eu precisaria ser incrivelmente bonito, estar em plena forma física, ser bilionário, filantropo, capaz de falar diversos idiomas fluentemente, ser piloto de aeronaves, ser o melhor amante do mundo e, acima de tudo, ser impressivamente bem dotado para atrair Ana. Em outras palavras, eu precisaria ser o Batman.
Enquanto a representação de Christian Grey como uma espécie de super homem é perfeitamente aceitável como uma fantasia feminina, sua caracterização torna-o bastante improvável. Christian não é apenas emocionalmente distante, rude e sombrio, mas também manipulador e psicótico em sua perseguição de Ana. E para um homem no comando de uma grande companhia, ele parece passar pouquíssimo tempo no trabalho.
Ana, por sua vez, mostra-se uma personagem ainda menos provável ao ser apresentada como uma mulher altamente neurótica e insegura, que nunca teve qualquer interesse amoroso até encontrar alguém como Christian, que só a atrai em um nível superficial.
Cinquenta Tons de Cinza tem uma linguagem pobre e repetitiva, algo que não me deixou surpreso, pois já sabia que seu sucesso começou entre os leitores da já esquecida saga Crepúsculo. Deixando de lado, ainda, a péssima construção das personagens, a autora E. L. James também não fez um bom trabalho de pesquisa, já que usa uma série de expressões coloquiais do inglês britânico, o que é completamente incoerente na fala dos americanos Ana e Christian.
Falando novamente em repetições, fiz a experiência com meu leitor de pdf e fiquei assombrado com a quantidade de expressões, lugares-comuns e jargões utilizados na fala de Ana:
  • A palavra “Jeez”, que o Google Tradutor dá o significado de “Eita!”, aparece 81 vezes;
  • “Oh my”, 72 vezes;
  • Ela “flushes” e “blushes” (verbo “corar” na terceira pessoa do singular) 125 vezes;
  • Ana “peeks up” (espreita) Christian 13 vezes;
  • Há 9 referências aos “hooded eyes” de Christian, 7 ao seu “long index finger” e 25 a quão “hot” ele é;
  • As personagens “murmur” 199 vezes, “mutter” 49 e “whisper” outras 195;
  • O casal improvável, ainda, troca 124 “grins” (sorrisos irônicos) e 124 “frowns” (olhares severos, carrancudos), um número estranhamente alto para uma mulher que experiencia “intensos”, “estremecedores”, “deliciosos”, “violentos”, “agonizantes” e “cansativos” orgasmos praticamente em todas as páginas do livro.
Talvez esses poucos exemplos já sejam suficientes para você não perder seu tempo com essa pseudo literatura erótica que tenta imitar, sem nem chegar aos pés, de clássicos do gênero como A História de O, de Pauline Réage e Teresa Filósofa, de Miguel Cobas. Se não forem, porém, leia mais sobre a piada de Cinquenta Tons de Cinza no artigo 50 clichês e bobagens que permeiam Cinquenta Tons de Cinza.
Se você quiser ver com seus próprios olhos, compre e leia a obra de E. L. James.

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