Ônibus Rio-Lima: drama na fronteira com a Argentina e missão para ajudar torcedor


Após 38 horas dentro do ônibus rumo a Lima, a sensação era de que as esburacadas estradas de São Paulo eram eternas. Foi possível dormir, acordar e achar que estava parado no mesmo lugar da interminável Via Dutra. O cansaço atingiu boa parte dos passageiros, que trocaram a cantoria pelos roncos espaçados ao fim da noite. Além de mim, o único acordado era Danilo Mello, de 32 anos, que acompanhava a rodada do Campeonato Brasileiro — o Vasco empatou com o Goiás, e o Cruzeiro com o Avaí.
"Resultado normal para o Vasco, já que é o campeão da taça 'Empate com o Flamengo'", ironiza Mello, que, com sinal de internet bastante instável, acompanhou os jogos através de um aplicativo de resultados.
Quase pela madrugada, a segunda parada do ônibus com destino a Lima, no Peru, aconteceu na cidade de Pardinho, um pacato município de apenas 5.393 habitantes em São Paulo. Até mesmo o Graal, uma tradicional rede de autopostos rodoviários espalhados pelos país, apresentava uma estrutura bem abaixo do costume. Isolado na escuridão do interior, o estabelecimento era iluminado pelos coloridos refletores.
Nessa pausa, um torcedor não desceu para comer e chamou a atenção. Não que Marcos Vinícius não estivesse com fome, mas a falta de dinheiro o impediu. Levando em conta os trajetos de ida e volta, a travessia Rio-Lima oferecida pela Buser Brasil deve durar cerca de 11 dias. Ao todo, serão duas paradas a cada 24 horas, cruzando quatro países pela América do Sul. Em resumo: é uma viagem que requer um planejamento financeiro prévio. Mas o rubro-negro embarcou com destino à capital peruana com apenas R$ 100 reais no bolso.
Marcos tem apenas 20 anos e trabalha como garçom em festas em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Como recebe por comissão, depende da quantidade de eventos no mês para ter dinheiro — algo que não aconteceu em novembro. Ele nem sequer pensava em viajar para a final da Libertadores, mas recebeu um ingresso de uma amiga e embarcou em uma das aventuras mais loucas da sua vida.
"Não tinha nenhuma expectativa em vir, então uma amiga minha (Luiana Fernandes, de 23 anos, que também está no ônibus da Buser) ganhou o sorteio da Buser e me deu ingresso. Ganhei R$ 150 reais da família, mas gastei R$ 50 com alguns biscoito e trouxe só R$ 100 para a viagem. Foi meu aniversario no sábado, então alguns familiares vieram me ajudar", conta Marcos.
Felizmente, a Nação o abraçou. Após a sua história ser publicada nas redes sociais, alguns torcedores do Flamengo entraram em contato e pediram para que ele enviasse o número da sua conta para depositarem qualquer quantia. Até o momento da publicação desta reportagem, ele somou R$ 250 em doações.
Queria agradecer a quem se disponibilizou e sensibilizou com minha situação, vale tudo pelo Flamengo. Jamais esperaria essa repercussão, agradeço de coração a todos, e rumo ao bi", completa.
Antes de retornar ao ônibus, é importante dizer que a experiência de tomar banho no meio da estrada foi menos traumática do que eu imaginava. As manchas negras presentes nas paredes e portas indicavam a falta de higiene do local, mas tinha o básico: separações entre pessoas e água — muito, muito gelada. Serviu para recarregar a energia antes da maratona que a primeira fronteira sul-americana nos esperava.
Entre Foz do Iguaçu e Fuente Iguazu está a divisa internacional entre Brasil e Argentina. Os três ônibus da Buser chegaram por volta de 11 horas e foram abordados por um segurança de voz rouca aparentando pouca simpatia. O pedido foi pela documentação de todos os presentes, além de que todos estivessem sentados e usando cinto de segurança.   "Tomara que a gente seja atendido por um torcedor do Boca Juniors, se for do River vai barrar a gente", brincou um torcedor no ônibus.
Após a primeira hora de espera, fomos informados de que as casas de câmbio próximas da fronteira estavam fechadas e não seria possível trocar o real pelo peso. Ou seja, fim do sonho de almoçar ou de qualquer parada em solo argentino.
Ainda na froteira, a solução para vencer a fome foi aproveitar a água quente usada para fazer o café como forma de aquecer alguns macarrões instantâneos. A outra parte seguiu apostando em biscoitos ou sanduíches caseiros.
Após duas horas parados, fomos chamados para levar as bolsas a fim de que fossem inspecionadas. Passada a terceira hora aguardando, a impaciência já tomava conta dos passageiros, e fomos conversar com um dos segurança da equipe.
Moisés Gonzalez, de 57 anos, limitou a explicação sobre a demora a questões burocráticas da segurança argentina, mas chamou a atenção mesmo por revelar que, por torcer para o Boca Juniors, estará junto ao Flamengo na final da Libertadores.
"Quando era criança, só chegava televisão brasileira em Iguazu. Eu gostava do Zico com a número 10. Sou um torcedor do Boca e simpatizante do Flamengo, principalmente contra o River", contou.  
Após vencer a fiscalização hermana, enfim, fomos liberados. Porém, a notícia que vinha da produtora operacional da Buser, Bianca Quiuqui, não era animadora: seriam 13 horas de viagem sem pausas até chegar na fronteira com o Chile. Ainda falta muito para chegar em Lima.

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